sábado, 27 de dezembro de 2014

E ferve a água


Este texto é sobre: Recesso de Natal. Listas. Talvez eu fique (mais) doida. Perdão. Autoconhecimento. Um homem bateu em minha porta.

Pensei em escrever esse texto depois de assistir o programa Saia Justa, na GNT, porque agora eu estou nessa onda: tenho 20 anos e assisto programas de Senhoras (afinal, eu sigo páginas de Mães no facebook e sempre que estou de férias gosto de ver Ana Maria Braga). Nas Universidades que entraram em greve, como a minha, em vários locais de trabalho, por aí, lá está, o Recesso de Natal. Uma coisa que parece boa, mas é perigosa, muito perigosa.

Toda vez é a mesma coisa: fico achando que será um intervalo entre o primeiro e o segundo tempo, que falarei com o time, acertarei as coisas e voltarei pronta para marcar o gol da vitória. E a torcida vai à loucura (aaaaa).

O que acontece (sempre) na prática é: os jogadores comem biscoito no vestiário, dormem, morgam e voltam para campo mais perdidos do que saíram. E a plateia joga bolinhos de arroz na sua cabeça.

Recesso de Natal, me ajude, meu bem. E uma coisa que eu adoooro fazer é Lista. Quer me dar um presente, me dê um bloco de notas especial para listas. E eu não sou exatamente boa em cumprir o que me proponho com perfeição, mas esse ritual de cobrança e de procedimento a ser seguido desperta o que há de mais psicótico nisso que gostamos de chamar de eu mesma.

Sempre que eu vou me amontoando de listas e listas não cumpridas e listas com novos itens e ideias para novas listas e tabelas com horas e leituras que levam um tempo precioso do meu dia a dia, enfim, sempre que estou nesse momento surtado e listado acho que ficarei doida de vez, chego a questionar se um dia já fui boa da cacholeta.

Perdão é bom. Perdão é lindo. Perdão faz bem. Mas não é obrigatório e nem sempre vale a pena. As pessoas são curiosas, então nós ouvimos coisas que parecem verdades muito verdadeiras. E veja só, segure-se na cadeira, criança, não precisa ser assim. Você não precisa fingir nobreza. Ouviu bem? NÃO PRECISA. Ah, joga um dane-se. Viva a plebe ( e a plateia vai à loucura aaaaa).

Por favor, tente não guardar ódio no seu coração, porque isso faz mal para quem carrega. É uma bagagem maldita. Agora, quando você se liberta, beijos, viva. Você não deve um perdão a Seu Ninguém. Acredite, na relação com você o destaque é seu. Você pode. Mas se não rolar, não rolou ue. Let it go (eu não superei essa música ainda).

Demorou um tempo, e uns tropeços, para que eu percebesse quem era a pessoa mais Top Dyvancia na minha relação comigo, e, pasmem, sou eu. O processo de autoconhecimento envolve um percurso árduo de descoberta. Nem só de chicotadas ou só de carinho vive o ego, fazendo o favor. E, principalmente, migalhas não. Migalhas nunca. Migalhas juntas não dão um pão.

E, para terminar, eu - mente brilhante de cabelos sedosos , cof cof- descobri uma mensagem sublimar nunca antes revelada para a humanidade. Sinto a honra e o peso da responsabilidade de ser a escolhida para repassar essa mensagem a vocês, espero que um dia tenhamos um filme sobre mim (música da Pink na trilha sonora, amém). Aquela música de pular corda: "O homem bateu em minha porta, e eu abri", bem, resta evidenciado que a canção fala de um crime (tan tan taaan). Vejamos:

"O homem bateu em minha porta"
- Perceba que o agente chegou ao local do crime;
"E eu abri"
- A moradora (ou morador) não tomou as providências necessárias, abriu a porta de forma impulsiva, sem verificar pelo olho mágico quem era e sem ligar para o porteiro;
"Senhoras e Senhores, ponham a mão no chão"
- Aqui, notamos uma mudança de narrador, afinal, os assaltantes tomam a ação em suas mãos. Ordenam que os moradores coloquem suas mãos no chão para imobilizá-los;
"Senhoras e Senhores, pulem de um pé só"
- A mudança de ideia dos invasores, que antes queriam as vítimas no chão e agora querem que estas realizem tal acrobacia, mostra o clima de tensão no ambiente, algo estava prestes a dar errado;
"Senhoras e Senhores, dêem uma rodadinha"
- Certamente, os assaltantes buscam confundir os donos da casa, trata-se - portanto - de gatunos experientes;
" E vá para o olho da rua"
- Os moradores são postos para fora de casa, provavelmente de pijamas, em trajes íntimos;
"Sal, pimenta, foguinho"
- E os invasores fogem pela janela da cozinha, derrubando vários itens e deixando o cenário caótico.



Dialogando


Saída triunfante pela direita. 
A outra direita. 
Curva . Pés, caminhem, não corram, caminhem. Joelhos, podem dobrar um pouquinho, já tivemos aquela aula de autoreconhecimento e sabemos que não somos um robô. Mãos, apenas parem com isso, não está legal. Braços, balancem, ok, devagar. Para frente olhos, triunfos em forma de gente não olham para trás, ok....rapidinho....canto de olho...pronto, alvo espiado, continua lá. Boca, pare querida, está ficando estranho. Coração, quem não ajuda não deve atrapalhar. Olha só, um gato subindo na árvore. Coração, já chega, você e a boca deveriam ficar de castigo juntos, seus ridículos. Ah, Mãos, as senhoritas vão junto. Pés, excelente trabalho até aqui. Carros, carros, não seja atropelada. Eu conheço aquela pessoa ali? Olhos...
O que eu estou fazendo... foco no objetivo, saída, esqueçam olhos, mea culpa. Quadril, eu não sou uma dançarina notorna ainda, pode parar. Aliás, quando eu digo para fazer isso você não faz, vou registrar esse momento. Fome. Cérebro, eu sei que foi você, o Estômago está calado. Continue assim, Estômago. Pés, eu amo vocês, obrigada por me tirarem dos lugares. Nossa aquela nuvem parece um monstro com três olhos, hahaha, eu gostaria de modelar essa nuvem, mas eu não gosto de altura, eu poderia fazer um grande OLÁ no céu, a humanidade iria ficar chocada, eu poderia comer aquela nuvem, deve ficar uma delícia com torrada...Cérebro, você joga sujo, meu bem, sujo
E se eu fui muito rude? Meu Deus, eu fui muito rude. Eu não presto mesmo, aí depois não sei o porquê...Língua, você trava quando não deve e sai do trilho quando não pedi, não sei como agradecer. Eu mereço o inferno, em praça pública. Julgamento: Culpada. Vaias. Ovos podres. Uma imbecil, miserável, coisa horrorosa. Cérebro, repasse a cena de novo, por favor. Vejamos...unhum, unhum... Espera, volta um pouquinho...para, olha isso, Coração. Olha.Isso.
Eu fui pouco rude. Frouxa. Parece um pudim emocional. Sua pudim emocional. Não se mexe, depois não sei o porquê...aí depois quando montam você não entende, Coração, olha o que você faz, não sabe nem se defender. Cérebro, passa mais uma vez, sim, do início. Olha isso...francamente, tanto ensaio para isso? Olha, suando feito uma porca em banho maria. Jesus, Coração, a culpa é seu. Não estou apontando culpados, mas a culpa é toda sua.
Mentira. Cérebro, você também...francamente, trabalho com incompetentes. Quadril, seu mentiroso, cale a boca que a conversa não desceu o nível ainda, estamos na cúpula diretiva do umbigo para cima. Eu disse cúpula, seu imbecil. Eu poderia comprar algo para comer, eu mereço. Cérebro, faça a restrospectivas de exercícios e coisas inadequadas que comemos nos últimos 10 dias. O chocolate...? OK, ignore isso, só dessa vez, estamos em uma emergência. Meu Deus, temos três carros pretos estacionados um do lado do outro, do outro lado... nada. Espera. Vermelho, vermelho...não. Prata, prata...não, não. Pare com isso, Cérebro, sério, pare. Só um pouquinho? Tudo bem, eu acho, não é errado ne? Não prejudica ninguém e...é tão legal. Certo, eu ajudo, e se for vermlho, prata e branco? Um de cada? Não tem lógica, do outro lado são três pretos. Branco, branco...não. Mas tem um branco do outro lado. Como alguém viu que ficariam três pretos de um lado e três brancos do outro e não estacionou de modo a satisfazer esse desejo do Universo? Não, não, não. Um branco. Isso estacione aqui, desse lado. Pés, caminhem mais devagar, precisamos impedir o carro branco de estacionar no lado dos pretos, ele precisa parar do lado dos brancos. Isso...cuidado agora, pessoal...isso. Ah, excelente. Excelente.
Boca, pare de rir. Não teve graça e você parece uma louca fazendo isso. Aliás...coisa meio louca isso...Quem se importa? Eu não me importo. Eu me importo? Eu não. Fome. Cérebro, você é horrível cara, sério, eu...O que? Fale mais alto, Coração, estou nervosa aqui, o que? Eu? Não, eu sou meio babaca sabe...trouxa e frouxa. É...teve aquela vez que foi legal...sim, eu sei, mas....Ta, ta bom, mas tem também aquilo e você sabe....É,tem razão, desculpem todos, desculpem. Eu não presto, desculpem. O que? Ah...certo, ao contrário? Tem razão, rola uma metalinguagem aí....eu presto então, desculpem. Me desculpem, me desculpo.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Dos amigos me livre Deus

Dos inimigos me livro eu.

Senhorxs,

Volto timidamente, com alguns versos espumantes. De variados sabores. A frase do título, bem como sua respectiva continuação, a primeira frase do post, foram ditas a mim por uma famosa (mas anônima) sábia. 

Um grande brinde ao dissabor, princípio ativo dos versos estabanados e escandalosos. Saúde...saúde... 

"(...)

Eu to tão engatilhada
Que com uma piscada
Promovo um tiroteio
Em um segundo
Ou em meio

Minha mente mente
Diz que tudo bem
Tudo nada, to cansada
E já tem tempo
Viu?!

Não me apareça assim
Com vitimização
Pra mim, desconsideração
É ingratidão e desonestidade
Disfarçada de vaidade

Até o vento me dói
Respirar me corrói
Pois vá embora, enquanto dá
Pois,garanto, não farei acordo ao atirar
E 1..e 2.....
Até depois

(ou nunca mais)"


Copos erguidos, foto, saúde...saúde....abraços distantes, fotos, tapinhas nas costas, fotos, perguntas rotineiras, fotos....saúde....saúde...


quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Nomes de Esmaltes, umas das 10 coisas mais engraçadas do mundo

Depois de duas eras glaciais sem postar, volto com um tema absolutamente inútil. Mas que muito me diverte:

Nomes de Esmalte. HAHAHA - Dragão Negro - Deixa Beijar - Marrom que faltava (quem é você, senhora marca, para dizer quem é na fila do pão o marrom que falta na minha vida? - apenas dando a carga dramática que a postagem merece) - Apuros em Las Vegas, Paris, Miami - Risoto de Mandioquinha- Joana D'arc- Melindrosa - Odalisca - Pirlimpimpim  - Ventinho Bom....e a lista é gigantesca, todos esses são nomes reais de esmaltes. Eu tive que pesquisar como são escolhidos essas nomenclaturas e, em alguns casos, uma verdadeira equipe se reúne para elencar as possibilidades. Sinceramente, acho divertidíssimo poder pintar as unhas com a tonalidade Risoto de Mandioquinha, sem qualquer traço de ironia, acho um máximo, mesmo eu - provavelmente- nunca tendo comido um risoto de mandioquinha, e muito certamente, não sendo digna de interpretar o estado de espírito adequado para essa tonalidade. Fico pensando como deve ser essa identificação pessoa> nome do esmalte.




"Hoje  minha alma pede para que eu pinte a unha com a cor Joga Sal Grosso" , acontece que algumas vezes essa percepção foge de minha limitada capacidade imaginativa. Não saberia adivinhar, por exemplo, que cor é Joana D'arc,e como exatamente eu devo me sentir para pintar as unhas com essa tonalidade. Faça o exercício mental e imagine a cor de : "Me Belisca!" , pois bem, corresponde a um tom:  Rosa com um toque coral (esse coral aqui eu presumo que seja referência à cobra, já que teve beliscão) - fonte http://www.coloramaesmaltes.com.br/colecoes/colecao-terra-dos-sonhos

Tenho plena consciência que esse post é 100% desnecessário, no entanto, eu realmente precisava dividir esses sentimentos com alguém. E seguem nomes curioso:

- Doce Loucura: da coleção "Espelho, espelho meu"
Siga-me : claro, vermelho, imagino que numa homenagem ao Chapolin Colorado
- Inveja boa : que é meio rosa
- Flores para Iemanjá : que é meio ano novo
- Gold, James Gold : que é totalmente prateado (?) 
- Caiu, é pênalti ?: poderia ser verde, que é a cor do campo, branco, que é a cor da bola, amarelo ou vermelho, que são os cartões, mas...claro, é azul
- Fé na Figa: é roxinho 

Senhora empresa do ramo dos esmaltes, eu quero muito dar nomes a novos tons, seria sucesso, imagine a cor: "Vish encontrei a biscate no corredor", seria um preto intenso representando o luto do momento. " Na hora da prova", seria branco, autoexplicativo. "E o boy visualizou o  whats", verdinho da cor do aplicativo. "E o boy respondeu o whats", vermelho, seria vendido juntamente com o anterior, coleção "Whatsapp". "Visualizou e não respondeu", roxo, de irritação. Claro que é só brincadeira, marcas de esmaltes, vocês são divertidas. 

PS: Prometo voltar com coisas melhores (ou não tão ruins em breve). Bjs.


quarta-feira, 21 de maio de 2014

Uns versos melosos

 Fiz esse poeminha meloso e resolvi postar aqui para...nada exatamente (?). Inexatidão é o prato do dia, senhorxs.


Poema que eu queria esquecer o nome

Por tudo que há de mais sagrado
Eu juro : quero lhe tirar de mim
Mas digo isso com um ar afetado
De quem teme e torce o fim

Fim sem nem ter começo
Que eu tento, tento e não consigo
Já fiz umas juras pra ver se esqueço
Só falta parar de lhe trazer comigo

Eu sou do tipo que, fixamente,
Se doa. Sou das promessas
A toa. Descumpridas constantemente.
Francamente, eu sou das incompetentes

Das que fazem versos melosos
E depois ardem em brasas mentais
Eu sou das tontas, e mais
Das com gostos duvidosos

Já me puni com severidade
Por todo esse melodrama
 Mas, é bem verdade,
Eu gosto da agonia de quem teme,
E ainda assim, ama

domingo, 13 de abril de 2014

Drama da vida urbana - O fracasso dos acampamentos do séc XXI- Relato exclusivo de uma autodespejada

Levantou assustada. Perdeu-se dormindo e, acordando, viu que tinha se perdido demais. Tocou os pés no chão frio, a cabeça ainda rodava como consequência desse despertar abrupto, a brisa da manhã tocou seu rosto de maneira desagradável. Caminhou cambaleante até o banheiro, com as mãos em concha, jogou água fria na face cansada. Um dose a mais de despertar. Enxugou o rosto e olhou-se no espelho.

Olhou-se.

Ele nem olhou de verdade, ele nem lhe percebeu de verdade. Não descobriu nada, não perguntou, não quis nada mais. E ela estava pronta para dar respostas ou fazer mais perguntas. Manifestou-se, mandou fazer panfletos, pintou o muro da casa dele. Ele não viu, não viu. Então ela contratou um sistema de som para uma micareta, compôs músicas sobre ele. Ele estava com fones de ouvido no volume máximo. Um dia, cansada, ela escreveu um bilhete de apenas quatro palavras, bateu em sua porta e entregou-lhe o bilhete. Ele sorriu. Ela sorriu. Então ele fechou a porta, ela montou um acampamento garantindo que estaria lá quando a porta se abrisse de novo. 

Chuvas, relâmpagos trovoadas.

Clima seco, tempestade de areia, insolação.

Ela permaneceu lá. Bravamente, lá. 

Mas um dia, bem, um dia ele abriu a porta, desceu as escadas e saiu caminhando sem olhar para trás. Nesse dia, ela desmontou a barraca e pegou o elevador mais próximo com destino ao subsolo. A barraca está no armário junto com o ânimo para acampar de novo. Pode jurar que nunca mais, jamais, acampará novamente. 

Balança a cabeça para enxergar o espelho de novo, era ela.

Prepara-se para sair, era ela. 

* Dizem que jornalistas não revelam suas fontes, pois bem, blogueiras de meia tijela também não.

quarta-feira, 5 de março de 2014

Uma xícara de café forte, por favor

Nunca deixe de estar preparada para a lama. E talvez isso pareça tão sombrio quanto Augusto dos Anjos, contudo, a vida não vai falhar e você perceberá que, na verdade, a sombra era sua melhor dose de claridade. Triste, não? 

Não, primoroso.

 Forte como uma xícara venenosa do mais puro café. Eu não chamaria de deliciosa, e sim de primorosa. O café é assim, longe de poder ser chamado de apetitoso. Apetitoso, delicioso é o chocolate, café não. Café é marcante, um gole de despertar, despertar para quê? Para onde? Não sei direito. Só sei que engoli o café ainda queimando a boca, forte, me obrigou a desviar a atenção para seu gosto por contados segundos. Não sei porquê acordei, sei que dormi. Não sei o que faço agora com os olhos abertos, só sei que vejo. E não gosto de tudo que capto, mas continuo captando porque a xícara ainda está cheia, e agora o café me desafiou. E não é que não goste de ser desafiada, eu não gosto é de perder. 

Quando todos sumirem e suas palavras mais banais precisarem do gentil espaço do ouvido de alguém que não há. Quando forem monólogos os diálogos logo no primeiro ato e a plateia, outrora amiga, ruminar impaciente com sua existência antes festejada. E,só por garantia, se as previsões forem de dias nublados e empolgantes como a personificação do tédio, saiba, sim, quando tudo isso vier à tona tão ferozmente que lhe torne feroz e frágil, tão bruscamente que lhe seja perdido o compasso e que sua melhor personagem esqueça o texto, quando tudo isso lhe atingir, saiba que uma xícara de café forte estará sempre disponível para um agradável tapa na cara de sua desgraça (que não deixa de ser você mesma), o café vai dançar com você enquanto você não souber que raio de música estão cantando, e não aprovar a nova estação de rádio, embora não queira voltar para antiga. Enfim, quando a ode da mediocridade for professada, e você estiver só, tome uma xícara de café forte.

Não vai resolver nada, mas o café não vai deixar de ser café só por isso.

Carta para meu futuro filho

             
Querido filho,
               Espero que esteja bem, resolvi escrever uma carta do passado porque hoje li uma manchete assustadora e preciso garantir que os anos não me façam esquecer o pavor do momento. Não leia essa carta se tiver menos de 15 anos, não quero que se assuste tão cedo. Leia e comentarei no fim:
“Era uma vez um dia como mais um, um dia em que cada pessoa vive sua vida e assim a humanidade caminha em uma coletividade solitária. E seria apenas isso, mas não hoje. Uma manchete disse que um menino de 08 anos foi morto pelo pai, levou uma surra para aprender a virar homem. Aprender a virar homem. Virar homem. H o m e m. Ainda não descobri qual o maior foco de absurdo, se o aprender a virar homem ou se é um pai surrar um filho até a morte. Não soube o que dizer, e pensei em não dizer nada (que é o mais conveniente quando não se sabe o que falar), só que a manchete ainda está impregnada no ar, não consigo não lê-la na parede da sala, de sentir seu gosto na água. E não acho que seja ela quem deva se retirar. Não há motivo para esquecer a morte de uma criança, não há motivo nem para diminuir seu impacto. Precisa ser brutal, é preciso deixar ser brutal e avassaladora, e que fique ali em algum lugar da sua mente, para que você tema ainda mais a opressão de gênero que mata tantos humanos. É preciso sentir culpa, por fazer parte dessa humanidade que segura na mão de um pai que surra o filho para tornar a pancada mais forte. Gostaria que uma salva de palmas igualmente pesada em ironia fosse ouvida de dentro de todos que acreditar em “virar homem” (ou mulher), de todos que acreditam em um comportamento de mulher (ou de homem, ou de menina e menino), uma salva de palmas ensurdecedora, de interromper a respiração, de emudecer. Com toda a sinceridade que guardo para momentos de desespero: Opressores de gênero, eu tenho vergonha, nojo e raiva de todos vocês.”
               Filho, eu espero que meu eu do futuro tenha lhe educado bem, isto é, espero que você não seja um idiota. Mas mesmo que você seja quero lhe dizer umas coisas: Eu não vou me importar se você for gay, travesti, bicha louca ou qualquer coisa, porque eu vou amar e respeitar você. E não porque eu sou legal (espero que eu seja, aliás), mas sim porque isso não quer dizer absolutamente nada, suas preferências afetivas são apenas suas preferências afetivas. Agora, escuta aqui garoto, não seja um desses caras que bate no menino da escola porque ele “parece gay”, eu espero que você seja criado para entender que isso é horrível. Eu espero que você seja um militante contra a opressão de gênero, espero que respeite muito homens e mulheres. Lembra que eu lhe expliquei que todos aqueles valores machistas que vão lhe contar são grandes mentiras? Pois é, hora de usar todo seu ensinamento. Espero que saiba que não tem problema se sua amiga, prima, irmã, vizinha quiser jogar bola com você (mesmo se ela for flamenguista), espero que saiba que não é nada –nem um tiquinho- vergonhoso você gostar de brincar de boneca, enfim, você vai entender logo que não existem brinquedos de menina e de menino, brinque, brinque do que quiser e seja feliz, concentre-se nisso, ok?
               Se você estiver com uma garota, não pense – nem por um segundo- que ela é sua propriedade (se estiver com um garoto também), não sei direito o que mais lhe falar.
Provavelmente, você já deve ter percebido que mais que meramente tolerar, nós devemos respeitar os outros. R e s p e i t a r. Então, meu querido, saiba que as pessoas são diferentes, e isso não é problema nenhum,pelo contrário. E quando/se você tiver filhos lembre de respeitá-los também, crie suas crianças para que sejam felizes por serem quem são, por lutarem pelo que acreditam, e os crie em conjunto com a mãe deles (ou o outro pai, se for o caso), transmita muito amor, atenção e respeito. Lembre de tudo isso.
Não seja um cretino imbecil, com carinho ,

Liz