quarta-feira, 5 de março de 2014

Uma xícara de café forte, por favor

Nunca deixe de estar preparada para a lama. E talvez isso pareça tão sombrio quanto Augusto dos Anjos, contudo, a vida não vai falhar e você perceberá que, na verdade, a sombra era sua melhor dose de claridade. Triste, não? 

Não, primoroso.

 Forte como uma xícara venenosa do mais puro café. Eu não chamaria de deliciosa, e sim de primorosa. O café é assim, longe de poder ser chamado de apetitoso. Apetitoso, delicioso é o chocolate, café não. Café é marcante, um gole de despertar, despertar para quê? Para onde? Não sei direito. Só sei que engoli o café ainda queimando a boca, forte, me obrigou a desviar a atenção para seu gosto por contados segundos. Não sei porquê acordei, sei que dormi. Não sei o que faço agora com os olhos abertos, só sei que vejo. E não gosto de tudo que capto, mas continuo captando porque a xícara ainda está cheia, e agora o café me desafiou. E não é que não goste de ser desafiada, eu não gosto é de perder. 

Quando todos sumirem e suas palavras mais banais precisarem do gentil espaço do ouvido de alguém que não há. Quando forem monólogos os diálogos logo no primeiro ato e a plateia, outrora amiga, ruminar impaciente com sua existência antes festejada. E,só por garantia, se as previsões forem de dias nublados e empolgantes como a personificação do tédio, saiba, sim, quando tudo isso vier à tona tão ferozmente que lhe torne feroz e frágil, tão bruscamente que lhe seja perdido o compasso e que sua melhor personagem esqueça o texto, quando tudo isso lhe atingir, saiba que uma xícara de café forte estará sempre disponível para um agradável tapa na cara de sua desgraça (que não deixa de ser você mesma), o café vai dançar com você enquanto você não souber que raio de música estão cantando, e não aprovar a nova estação de rádio, embora não queira voltar para antiga. Enfim, quando a ode da mediocridade for professada, e você estiver só, tome uma xícara de café forte.

Não vai resolver nada, mas o café não vai deixar de ser café só por isso.

Carta para meu futuro filho

             
Querido filho,
               Espero que esteja bem, resolvi escrever uma carta do passado porque hoje li uma manchete assustadora e preciso garantir que os anos não me façam esquecer o pavor do momento. Não leia essa carta se tiver menos de 15 anos, não quero que se assuste tão cedo. Leia e comentarei no fim:
“Era uma vez um dia como mais um, um dia em que cada pessoa vive sua vida e assim a humanidade caminha em uma coletividade solitária. E seria apenas isso, mas não hoje. Uma manchete disse que um menino de 08 anos foi morto pelo pai, levou uma surra para aprender a virar homem. Aprender a virar homem. Virar homem. H o m e m. Ainda não descobri qual o maior foco de absurdo, se o aprender a virar homem ou se é um pai surrar um filho até a morte. Não soube o que dizer, e pensei em não dizer nada (que é o mais conveniente quando não se sabe o que falar), só que a manchete ainda está impregnada no ar, não consigo não lê-la na parede da sala, de sentir seu gosto na água. E não acho que seja ela quem deva se retirar. Não há motivo para esquecer a morte de uma criança, não há motivo nem para diminuir seu impacto. Precisa ser brutal, é preciso deixar ser brutal e avassaladora, e que fique ali em algum lugar da sua mente, para que você tema ainda mais a opressão de gênero que mata tantos humanos. É preciso sentir culpa, por fazer parte dessa humanidade que segura na mão de um pai que surra o filho para tornar a pancada mais forte. Gostaria que uma salva de palmas igualmente pesada em ironia fosse ouvida de dentro de todos que acreditar em “virar homem” (ou mulher), de todos que acreditam em um comportamento de mulher (ou de homem, ou de menina e menino), uma salva de palmas ensurdecedora, de interromper a respiração, de emudecer. Com toda a sinceridade que guardo para momentos de desespero: Opressores de gênero, eu tenho vergonha, nojo e raiva de todos vocês.”
               Filho, eu espero que meu eu do futuro tenha lhe educado bem, isto é, espero que você não seja um idiota. Mas mesmo que você seja quero lhe dizer umas coisas: Eu não vou me importar se você for gay, travesti, bicha louca ou qualquer coisa, porque eu vou amar e respeitar você. E não porque eu sou legal (espero que eu seja, aliás), mas sim porque isso não quer dizer absolutamente nada, suas preferências afetivas são apenas suas preferências afetivas. Agora, escuta aqui garoto, não seja um desses caras que bate no menino da escola porque ele “parece gay”, eu espero que você seja criado para entender que isso é horrível. Eu espero que você seja um militante contra a opressão de gênero, espero que respeite muito homens e mulheres. Lembra que eu lhe expliquei que todos aqueles valores machistas que vão lhe contar são grandes mentiras? Pois é, hora de usar todo seu ensinamento. Espero que saiba que não tem problema se sua amiga, prima, irmã, vizinha quiser jogar bola com você (mesmo se ela for flamenguista), espero que saiba que não é nada –nem um tiquinho- vergonhoso você gostar de brincar de boneca, enfim, você vai entender logo que não existem brinquedos de menina e de menino, brinque, brinque do que quiser e seja feliz, concentre-se nisso, ok?
               Se você estiver com uma garota, não pense – nem por um segundo- que ela é sua propriedade (se estiver com um garoto também), não sei direito o que mais lhe falar.
Provavelmente, você já deve ter percebido que mais que meramente tolerar, nós devemos respeitar os outros. R e s p e i t a r. Então, meu querido, saiba que as pessoas são diferentes, e isso não é problema nenhum,pelo contrário. E quando/se você tiver filhos lembre de respeitá-los também, crie suas crianças para que sejam felizes por serem quem são, por lutarem pelo que acreditam, e os crie em conjunto com a mãe deles (ou o outro pai, se for o caso), transmita muito amor, atenção e respeito. Lembre de tudo isso.
Não seja um cretino imbecil, com carinho ,

Liz