Querido filho,
Espero
que esteja bem, resolvi escrever uma carta do passado porque hoje li uma
manchete assustadora e preciso garantir que os anos não me façam esquecer o
pavor do momento. Não leia essa carta se tiver menos de 15 anos, não quero que se
assuste tão cedo. Leia e comentarei no fim:
“Era uma vez
um dia como mais um, um dia em que cada pessoa vive sua vida e assim a
humanidade caminha em uma coletividade solitária. E seria apenas isso, mas não
hoje. Uma manchete disse que um menino de 08 anos foi morto pelo pai, levou uma
surra para aprender a virar homem. Aprender
a virar homem. Virar homem. H o m e m. Ainda não descobri qual o
maior foco de absurdo, se o aprender a virar homem ou se é um pai surrar um
filho até a morte. Não soube o que dizer, e pensei em não dizer nada (que é o
mais conveniente quando não se sabe o que falar), só que a manchete ainda está impregnada
no ar, não consigo não lê-la na parede da sala, de sentir seu gosto na água. E
não acho que seja ela quem deva se retirar. Não há motivo para esquecer a morte
de uma criança, não há motivo nem para diminuir seu impacto. Precisa ser brutal,
é preciso deixar ser brutal e avassaladora, e que fique ali em algum lugar da
sua mente, para que você tema ainda mais a opressão de gênero que mata tantos
humanos. É preciso sentir culpa, por fazer parte dessa humanidade que segura na
mão de um pai que surra o filho para tornar a pancada mais forte. Gostaria que
uma salva de palmas igualmente pesada em ironia fosse ouvida de dentro de todos
que acreditar em “virar homem” (ou mulher), de todos que acreditam em um
comportamento de mulher (ou de homem, ou de menina e menino), uma salva de
palmas ensurdecedora, de interromper a respiração, de emudecer. Com toda a
sinceridade que guardo para momentos de desespero: Opressores de gênero, eu
tenho vergonha, nojo e raiva de todos vocês.”
Filho,
eu espero que meu eu do futuro tenha
lhe educado bem, isto é, espero que você não seja um idiota. Mas mesmo que você
seja quero lhe dizer umas coisas: Eu não vou me importar se você for gay,
travesti, bicha louca ou qualquer coisa, porque eu vou amar e respeitar você. E
não porque eu sou legal (espero que eu seja, aliás), mas sim porque isso não
quer dizer absolutamente nada, suas preferências afetivas são apenas suas
preferências afetivas. Agora, escuta aqui garoto, não seja um desses caras que
bate no menino da escola porque ele “parece gay”, eu espero que você seja
criado para entender que isso é horrível. Eu espero que você seja um militante
contra a opressão de gênero, espero que respeite muito homens e mulheres.
Lembra que eu lhe expliquei que todos aqueles valores machistas que vão lhe
contar são grandes mentiras? Pois é, hora de usar todo seu ensinamento. Espero
que saiba que não tem problema se sua amiga, prima, irmã, vizinha quiser jogar
bola com você (mesmo se ela for flamenguista), espero que saiba que não é nada –nem
um tiquinho- vergonhoso você gostar de brincar de boneca, enfim, você vai
entender logo que não existem brinquedos de menina e de menino, brinque,
brinque do que quiser e seja feliz, concentre-se nisso, ok?
Se
você estiver com uma garota, não pense – nem por um segundo- que ela é sua
propriedade (se estiver com um garoto também), não sei direito o que mais lhe
falar.
Provavelmente, você já deve ter
percebido que mais que meramente tolerar, nós devemos respeitar os outros. R e s
p e i t a r. Então, meu querido, saiba que as pessoas são diferentes, e
isso não é problema nenhum,pelo contrário. E quando/se você tiver filhos lembre
de respeitá-los também, crie suas crianças para que sejam felizes por serem
quem são, por lutarem pelo que acreditam, e os crie em conjunto com a mãe deles
(ou o outro pai, se for o caso), transmita muito amor, atenção e respeito.
Lembre de tudo isso.
Não seja um cretino imbecil, com
carinho ,
Liz
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