domingo, 14 de julho de 2013

Agradecimentos aos arbustos

1...2...

Você começa a correr, ainda não sabe direito para onde, mas corre com urgência. Outros correm também, todos meio perdidos. 

7....8....

Quem sabe atrás da terceira porta da direita. Mas já tem alguém ali. E se você for até o balcão perto da cantina? Tenho quase certeza que ali é um bom lugar...É, também já tentaram esse esconderijo. Os números vão subindo rápido, mais rápido do que você planejava aliás. E de repente, onde estão todos? Parece que todo mundo já está com seu inteligente, bem planejado e extremamente confortável esconderijo, e você aí correndo sem ter nem onde esconder essa sua cara. E eu vou lhe dizer uma coisa, aqueles números vão acabar logo, logo, criança, o Júnior vai anunciar que acabou de contar e vai começar a procurar. Adivinhe bem rápido quem vai ser a primeira pessoa a sair da brincadeira sem um esconderijo, criança? 

Pois é....

Mas...mas vai ver...você está procurando só no lugar errado. Sim, sim, eu sei que os melhores esconderijos já estão preenchidos pelas crianças mais espertas e hábeis, só que não dá mais tempo para fazer lamentações, lembra? Corra, corra, corra! E é isso que você faz. Percorre o caminho de volta. Seu coração começa a tocar uma música muito acelerada, a música vibra nos seus ouvidos. Você pula o batente para ganhar alguns segundos, o Júnior está quase acabando. Pode continuar contando, Júnior! É! Tudo faz sentido agora. Você passa por ele e segue até um arbusto, joga o corpo para frente, dobra as pernas e se encolhe atrás da planta. Enfim, um lugar para se esconder. Ar? Onde está o ar que deveria estar nos seus pulmões? Criança, foi uma corrida e tanto. Ora, mas controle essa respiração, quer que todos ouçam? E Júnior dá um berro avisando que vai começar as buscas, ele corre para o lado onde todos geralmente se escondem, o lado oposto ao que você está. Um por um, os outros vão sendo encontrados, e você ali tão perto e ironicamente tão protegida pela obviedade. É hilariante. Você quer levantar num pulo e gritar como eles foram bobos de buscar esconderijos tão sofisticados com aquele bem ali, você ri baixinho, é uma vitória pessoal. Logo você que nunca foi a criança mais rápida para pegar o balcão da cantina primeiro e, com todo o respeito, nem a mais inteligente para achar aqueles lugares improváveis. Mas conseguiu, logo você, nada especial. 

Corre e se salva. Simples assim. E os outros olham com um tanto de surpresa e outro tanto de desprezo para o seu arbusto. Na verdade, eles estão chateados por não terem pensado nisso antes. Um simpático gênio nos disse que 'o essencial é invisível aos olhos'. E vai ver por isso nós não conseguimos enxergar o caminho até lá, se serve de consolo criança, você pode tentar mais de uma vez, aliás, nós somos eternos 'cafés com leite'. Aliás, nem quando chegamos até lá, por vezes, sabemos que lá é lá. Somos também eternos mal agradecidos. Sua mãe já lhe disse para agradecer, não disse? Agradeça pelo arbusto, isso, muito bem. Às vezes os arbustos são oportunidades, às vezes são -para ser poética- sonhos, ou até, pessoas. Criança, eu acredito fielmente que cada um merece ter arbustos para se esconder, nem sempre a brincadeira parece boa, mas corra, corra e quando achar que está bom, corra mais um pouco. Você tem todas esses momentos de birra, essas remelas saindo pelos olhos e esses (malditos e angustiantes) cadarços desamarrados, mas quem não tem problemas que atire o primeiro tênis de velcro, certo? 

Criança, um esconderijo bom e seguro deve estar esperando. Corra como se disso dependesse todo o esconde-esconde.